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Enquanto caminhava pela bela cidade de Guimarães, reparei naquilo que me pareceu ser a sede local do Partido Comunista Português, encaixada no coração da parte antiga da cidade, por onde passam todos os turistas.
Será que enquanto vão dando uso às suas máquinas fotográficas digitais, este símbolo lhes diz alguma coisa? Será mesmo que esta imagem, de uma época aparentemente distante, tem lugar nos seus álbuns fotográficos? Desconfio que não. Muitos nem saberão aquilo que representa ou que em 25 de Abril de 1974 a “Revolução dos Cravos” varreu a odiada ditadura salazarista, um acontecimento que iniciou a sua marcha a milhares de quilómetros, nas colónias portuguesas de Angola e Moçambique com os movimentos de libertação a combaterem os militares Portugueses.
Guimarães já foi um centro da indústria têxtil Portuguesa mas, como muitas outras áreas industriais da Europa, viu a produção ser deslocada para fábricas na Ásia ou na América Latina. Assim, com o generoso dinheiro da UE, o local foi transformado em mais um sítio do “património”. O bairro onde encontrei este símbolo de um presumido tempo passado, cheio com os seus habitantes, está repleto de turistas que frequentam as muitas lojas caras de moda que se podem encontrar nas ruas apertadas, vielas e atraentes praças.
Por razões óbvias, que não me parece necessário estar agora a explicar, o “poder instalado” considera que o socialismo está morto, a não ser para locais como a Venezuela. Por isso temos de nos perguntar, se realmente morreu, porque é que a imprensa capitalista tem feito um trabalho tão incisivo e mal-dizente da Venezuela de Chavez? Será que não está morto mas apenas a dormir?
Se o socialismo morreu, porquê o medo e o desdém? O que é que está a por o cabelo dos capitalistas em pé? Pois, apesar da retórica de Chavez, a Venezuela está muito distante de ser um estado socialista, qualquer que seja o seu “tipo” de socialismo. A Revolução Bolivariana ainda tem um grande percurso a fazer e o caminho é tortuoso e com muitos e perigosos obstáculos.
A campanha de ódio e mal dizer contra Chavez, que está actualmente a ser levada a cabo pelos meios de comunicação Ocidental é, talvez de forma irónica, um regresso aos dias da Guerra Fria, com todos aqueles “clichés” sobre a ditadura e um Chavez “desmiolado”. Será que o projecto da Venezuela dá sinais de vida e até morde alguns? Se sim, quem é que anda a morder, exactamente? De certeza que não é a massa da população do Reino Unido e EUA.
Os paralelos com 1974/75 estão presentes em mim, mesmo que não o estejam nos turistas, pois a campanha centrada no Chavez revela que apesar de tudo o que aconteceu nas últimas décadas, para a maioria do planeta, as coisas ainda ficaram piores do que estavam.
E, tal como os acontecimentos na longínqua Angola e em Moçambique precipitaram uma revolução (ou algo do género) em Portugal, também os acontecimentos na longínqua Venezuela parecem estar a ter reflexos no Reino Unido e EUA e pelas mesmas razões.
A “Revolução Bolivariana” é perigosa pelo exemplo que dá ao resto dos pobres do planeta e a campanha de propaganda mostra que o Ocidente tem medo que a sua própria população pudesse, se deixada à sua vontade, simpatizar com o povo e as aspirações da Venezuela.
OK, o pano de fundo parece ser, pelo menos à primeira vista, o petróleo de que o Ocidente tanto necessita, mas não há nada que os impeça de o comprar a um preço consideravelmente mais baixo que os actuais 70 dólares por barril (Chavez considera que 50 dólares é um preço razoável).
Não, o verdadeiro problema não é o petróleo mas sim o povo da Venezuela, Bolívia e Peru que estão a dizer “Basta! Nós queremos comandar o nosso próprio destino e não ser dirigidos por caciques de Washington DC e Londres”.
Tal como Salazar se enterrou em Angola e Moçambique e depois mentiu com quantos dentes tinha e no final acabou por pagar pelas suas mentiras, também os governantes dos EUA e Reino Unido estão mortos de medo que acontecimentos na Venezuela tenham repercussões semelhantes nos seus países. Daí a necessidade em mentir sobre Chavez, tal como Salazar mentiu sobre Amílcar Cabral aos portugueses.
A verdadeira luta não se alterou nada, por isso talvez seja mesmo ajustado o encontrar a Foice e o Martelo na antiga e pitoresca Guimarães.
Traduzido por Alexandre Leite, a partir de um texto de William Bowles publicado a 24 de Maio de 2006 em http://williambowles.info/ini/2006/0506/ini-0416.html
Os computadores são uma ferramenta maravilhosa – por vezes. Há uns dias atrás, já quase tinha escrito este artigo e, inadvertidamente, atirei-o para o lixo, com backups e tudo! Não tendo uma memória fotográfica, vi-me forçado a tentar reconstruir o meu esboço inicial o que se mostrou francamente impossível, e em todo o caso, não fazia muito sentido tentar reconstruir o que tinha sido perdido.
Tentar reconstruir o passado não é algo confinado aos meus ficheiros perdidos. Desde a contra-revolução Thatcher/Reagan, no final da década de 70, o capitalismo tem tentado restaurar a “glória” perdida do imperialismo do séc. XIX, quando a “diplomacia de barcos de guerra” era o suficiente para manter os “nativos” no seu lugar.
Já não é bem assim, hoje em dia. No presente, o “inimigo” está, como eles dizem, cá dentro e lá fora, com mais uns milhões a baterem às portas da Babilónia, exigindo a sua justa parte daquilo que lhes foi roubado durante séculos.
O que começou há quinhentos anos atrás com os conquistadores, os negociantes de especiarias, o comércio de escravos – tendo sido nisso que se baseou o vigor da revolução industrial – está a regressar, com uma vingança.
Por isso, apesar do mundo desenvolvido estar a afiar as garras, ou pelo menos a tentar, continua, tal como há quinhentos anos atrás, totalmente dependente dos vastos batalhões de despojados, pela riqueza que extrai dos seus recursos e do seu trabalho.
A globalização do capital apenas amplificou as contradições ao lutar para manter a taxa de lucro, exportando a produção, e pela expropriação de recursos pela força bruta, do qual o Iraque é o exemplo mais óbvio e um paradigma da tentativa de fazer andar o tempo para trás a uma época anterior.
Até agora, isto foi conseguido com a resistência de forças que também pretendem fazer o tempo andar para trás, os chamados fundamentalistas, mas que em última análise, têm pouco a oferecer a não ser o seu próprio estilo de reacção que joga precisamente a favor do imperialismo e muito provavelmente são, em primeiro lugar, uma criação directa das maquinações capitalistas, por exemplo, Osama bin Laden, “Abu Musab al-Zarqawi” e a “rede internacional de terror”.
De qualquer forma, eu julgo que isto não é mais do que uma fase pela qual passaremos e pode até ser argumentado que já a passamos. Apenas está a ser mantida viva pela propaganda de guerra financiada pelo Ocidente, de forma a desviar as atenções da verdadeira luta empreendida pelos despojados do planeta.
O gigante adormecido está mais uma vez a acordar, na sequência das derrotas que culminaram com o fim da Guerra Fria. As lições foram aprendidas e está a abrir-se um período inteiramente novo de lutas, mas de forma distinta das época de lutas da Guerra Fria, o imperialismo está agora esticado até ao ponto de ruptura.
Combinam-se duas forças no desafio ao poder do capital, o vasto batalhão de pessoas desenraizadas, forçadas pelas políticas económicas do mundo capitalista a encontrarem trabalho noutro sítio que não as suas terras de origem e os países nos quais se encontram os recursos sobre os quais o mundo capitalista está completamente dependente.
Por isso me parece que a “guerra ao terrorismo” e a guerra aos imigrantes “ilegais” não são por acaso. São ambas produto das políticas económicas postas em prática com a chamada agenda neo-liberal, que teve como resultado o empobrecimento de milhões de pessoas pelo planeta.
E as tácticas que estão a ser usadas na “guerra ao terrorismo” são, sem surpresa, as mesmas usadas para lutar contra as “hordas de estrangeiros” chegando mesmo ao ponto de acusações – sempre sem provas – que os “estrangeiros ilegais” são, na realidade, terroristas disfarçados ou, quase tão mau, grupos de tráfico de pessoas.
Tal como na “guerra à droga”, a verdade é que criminalizar os imigrantes teve como resultado a criação de grupos de tráfico de pessoas. Temos mesmo de nos questionar se as pessoas que nos governam terão todos os parafusos, até nos apercebermos que a política de criminalização de classes inteiras de pessoas tem raízes ideológicas profundas que se estendem pelos séculos passados, com preconceitos de uma classe dominante, que considera praticamente todos os outros como inerentemente (ler geneticamente) inferiores.
Juntem a isto o “efeito bode expiatório”, que dá tanto jeito quando chega a altura de deitar as culpas dum sistema insano e daquelas que o governam, sobre as principais vítimas indefesas do sistema!
Não é exagerado dizer que o actual estado capitalista criminalizou tudo aquilo de que foi responsável originalmente, excepto os produtos que são intrínsecos aos lucros do capitalismo, fármacos, álcool e claro, bens de consumo.
Uma das consequências foi a criação de um vasto negócio global que juntou a vantagem de matar dois coelhos com uma cajadada. As leis que têm sido feitas para tentar restringir o tráfico, de uma forma ou de outra, também estão a ser usadas para restringir os nossos direitos democráticos. Tudo com muita finura e asseio.
Reparem também que a privatização de funções do estado, desde as prisões até aos chamados centros de reabilitação de toxicodependentes, dá ainda mais um incentivo à criminalização de todo o tipo de comportamento humano, incluindo neste momento, ser jovem e ser encontrado a vaguear em locais públicos sem estar a comprar nada, como uma razão para ir para lá.
Há um método na loucura do capitalismo, tendo como base o dinheiro, montes de dinheiro a ser obtido através da criminalização de pessoas. O que nós temos é verdadeiramente um capitalismo criminoso que mantém a população sob resgate ao ilegalizar efectivamente toda e qualquer actividade que não seja prescrita pelo estado.
É um cenário bastante assustador, mas parece que este cenário está agora a ser desafiado por aqueles que não têm menos a perder, os despojados, tanto internos como externos. Lá fora, em regiões como a América Latina, seguramente apenas a primeira expressão daquilo que se tornará um movimento global de resistência. Cá dentro, os batalhões de trabalhadores baratos, importados legal ou ilegalmente para fazer o trabalho sujo a que os locais torcem o nariz.
E são mais do que simplesmente sinais ou prognósticos. Já está aqui, desde os subúrbios de cidades Francesas até aos Barrios da Bolívia e ainda mais impressionante, no seio do próprio monstro, os Estados Unidos da América onde literalmente milhões de pessoas vieram para as ruas protestar contra a sua iminente criminalização, pelos bandidos que dirigem o capitalismo dos EUA.
Põe-se uma questão a todos nós: de que lado estamos? Vamos nos aliar aos despojados ou ficar ao lado da reacção como muitos fizeram nos anos 1930 apoiando os Nazis na esperança de manterem as suas posições privilegiadas? O paralelismo é mais do que simbólico e o perigo é do mesmo tamanho.
Serão os milhões de despojados, o calcanhar de Aquiles do capitalismo? Parece um pouco incrível, no fundo, eles possuem pouco em termos de armas ou exércitos, mas eles estão a perceber que os recursos que têm sob os seus pés são uma poderosa alavanca. Tal como o exército invisível que limpa os escritórios, serve a comida, muda as fraldas aos bebés e cola todas aquelas sapatilhas Nike, são um exército de um tipo totalmente diferente que pode atingir o coração do império, onde dói mais – nos bolsos corporativos.
Leituras suplementares
President Morales Detonates a Bomb, with Repercussions that Reach Far Beyond Bolivia
Morales Does the Unthinkable – He Carries out his Campaign Pledge
MEXICO: Zapatista Leader Reaches Out to Neglected Minorities Diego Cevallos
Traduzido por Alexandre Leite, a partir de um texto de William Bowles publicado a 5 de Maio de 2006 em http://www.williambowles.info/ini/2006/0506/ini-0413.html
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