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Quarta-feira, 28 de Junho de 2006

Timor-Leste: as raízes da crise política

A actual crise política de Timor-Leste começou quando um grupo de soldados da zona oeste do país – que passou de 140 para 591 – assinou uma petição pela não discriminação no seio dos 1300 elementos das Forças de Defesa de Timor-Leste (FDTL). Em Março foram despedidos pelo chefe das FDTL e antigo comandante das Falintil (o braço armado do movimento de libertação nacional antes de 1999), Taur Matan Ruak.
 
A 28 de Abril, uma manifestação dos peticionistas gerou violência. Na confusão que se seguiu, foram mortas pelo menos 25 pessoas e 130 000 fugiram de suas casas. O líder rebelde Major Alfredo Reinado foi para as montanhas com um grupo de soldados, exigindo a demissão do Primeiro-Ministro Mari Alkatiri e afirmando-se leal ao Presidente Xanana Gusmão. Reinado, que foi formado na Academia Australiana das Forças de Defesa, tem “apoio, pelo menos implícito, de líderes da Igreja Católica e dos governos Australiano e Norte Americano”, de acordo com o professor Tim Anderson, da Universidade de Sydney.
Embora proclamando-se “neutral” na disputa entre Alkatiri, Xanana e outras elites políticas, o governo Australiano foi rápido a condenar a liderança de Alkatiri, declarando Timor-Leste como um “estado falhado”.
 
O Primeiro-Ministro John Howard diz que Timor-Leste tem sido “mal governado”. O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Alexander Downer – responsável por privar Timor-Leste de 1 milhão de dólares por dia em gás e petróleo – declarou que “os Timorenses são eles próprios responsáveis pelo que aconteceu… mais ninguém”. E o Ministro da Defesa Brendan Nelson acrescentou que “Se se permitir que Timor-Leste se torne um estado falhado na nossa região, sabemos que será um destino para o crime internacional e para o terrorismo”
A classe dominante Australiana está a aumentar a sua interferência na política de Timor-Leste, procurando minar a vitória de 1999 do movimento de solidariedade com Timor-Leste, que reverteu uma política de 24 anos de apoio à ocupação militar Indonésia do território e forçou o governo de Howard a consentir uma intervenção da ONU que apoiou a auto-determinação da nação.
 
História esquecida
Depois da chegada de 2200 militares da Austrália, Nova Zelândia e Malásia no passado mês de Maio, teve início nos media corporativos Australianos uma campanha orquestrada para diabolizar Alkatiri, e apresentar os seus rivais – Gusmão e o recentemente empossado Ministro da Defesa, José Ramos Horta – como “líderes responsáveis”.
A 1 de Junho, Greg Sheridan do jornal “The Australian” afirmou que Alkatiri “tem sido o autor de cada decisão calamitosa que o governo de Timor-Leste tem feito”. Sheridan reclamou a demissão de Alkatiri a 3 de Junho, dizendo,”Se [o governo Australiano] não percebe que o levantamento de 1300 militares, 50 polícias, centenas de pessoal de apoio, montes de ajuda e uma crítica missão internacional de salvamento, são influência suficiente para se livrar de um Primeiro-Ministro Marxista desastroso, então não tem arte suficiente no ofício da influência, da tutela, do patrocínio e em última análise de promover o interesse nacional.
Sheridan, ao defender os “interesses nacionais” da Austrália, não estava a pedir uma relação pacífica com o povo de Timor-Leste, mas sim a exigir notoriamente um reforço do monopólio corporativo Australiano sobre o petróleo e gás do Mar de Timor que valem 30 mil milhões de dólares.
Chris Barrie, antigo dirigente das Forças de Defesa Australianas, disse ao jornal “Age”: “Se calhar precipitámo-nos ao culpar a milícia e a Indonésia por tudo [pré-independência], em vez dos próprios Timorenses e as suas tensões sociais não resolvidas.” Do mesmo modo, Gerard Henderson no jornal “Sydney Morning Herald” culpou “a violência com base em clãs em Timor-Leste”, defendendo que era algo endémico tanto “antes dos Indonésios chegarem em 1975” como “desde que a milícia pró-Indonésia foi dispersada pela Interfet [força militar multinacional mandatada pelas NU] em 1999”.
No entanto, os media corporativos Australianos evitam referências ao trauma colectivo experimentado pela população de Timor-Leste durante 24 anos de ocupação militar.
A Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), criada em 2002 para investigar e documentar as violações dos direitos humanos em Timor-Leste entre 1974 e 1999, estimou que o número de mortes relacionadas com conflitos foi, nesse período, de 102 800 - 183 000, de uma população total inferior a um milhão de habitantes. A CAVR concluiu que 90% das mortes foram provocadas por militares Indonésios (58%) ou pelos seus auxiliares Timorenses (32%).
Um estudo publicado no jornal “The Lancet” em 2000 sobre um inquérito feito a 1033 Timorenses, concluiu que 975 tinham sofrido trauma durante a ocupação, três quartos tinham feito combates e mais de metade esteve perto de morrer. Para além disso, 49% tinham sofrido tortura, 22% tinha testemunhado a morte de familiares ou amigos e um terço tinha sintomas de stress pós-traumático.
Como resultado da Unidade de Crimes Graves, que funcionou entre 2002 e 2004, foram acusados 339 suspeitos – principalmente antigos generais Indonésios. Apesar disto, e do controlo de um Tribunal de Direitos Humanos em Jacarta, todos os criminosos se mantêm ao largo, não apenas protegidos pela Indonésia, mas pelos governos Australiano, Britânico e Norte Americano, que foram fortes oposicionistas de um tribunal internacional de crimes de guerra.
 
Até à data, Gusmão, Horta e Alkatiri também se opuseram à ideia de um tribunal internacional de crimes de guerra. No ano passado, Horta negociou com a Indonésia a implementação de uma Comissão para a Verdade e Amizade que recomendará a concessão de amnistias a criminosos de guerra.
O falhanço da elite política de Timor-Leste em resolver esta injustiça permanece uma grande fonte de descontentamento, em conjunto com o extremo empobrecimento da maioria da população. O desemprego está acima de 50% e mais de 40% dos Timorenses ainda subsistem abaixo da linha de pobreza, menos de 55 cêntimos de dólar por dia.
Descalabro da ONU
A primordial responsabilidade deste desastre social fica com as políticas económicas neo-liberais impostas a Timor-Leste sob a Autoridade de Transição das Nações Unidas para Timor-Leste (UNTAET), entre 1999 e 2002.
Depois da saída dos militares Indonésios, as NU entregaram ao Banco Mundial a tarefa de controlar a reconstrução de Timor-Leste, administrando os fundos doados pelos membros das NU através do Fundo Fiduciário de Timor-Leste (TFET). Os doadores exigiram um governo complacente com a obrigação de fortalecer os interesses corporativos.
Desde 1999, os doadores internacionais empenharam aproximadamente 3 mil milhões de dólares para a “reconstrução pós-conflito” de Timor-Leste. Uma avaliação da Comissão Europeia ao TFET assinalou que perto de um terço dos fundo cedidos foram engolidos por pagamentos a consultores estrangeiros, despesas geraise aquisições, deixando pouco para acorrer aos problemas urgentes de má nutrição, segurança alimentar, água potável, prevenção de doenças e desemprego. Muitos antigos combatentes das Falintil sofreram particularmente.
Em 2001, a UNTAET criou as FDTL e a PNTL através de um acordo com o Conselho Nacional, um órgão consultivo de líderes políticos Timorenses liderado por Gusmão. Aconselhada pelo Kings College, de Londres, a UNTAET e o Conselho Nacional definiram critérios de recrutamento para as FDTL que não podiam ser cumpridos por muitos antigos combatentes guerrilheiros. Os veteranos da Falintil que não conseguiam eram “reintegrados” na vida civil através de um programa patrocinado pelo Banco Mundial que deixou muitos pobres e destituídos.
 
De acordo com Rahung Nasution, um realizador a viver em Dili e a trabalhar para o Instituto de Educação Popular, a transformação da Falintil num exército regular “destruiu a relação que existia através da luta… entre os combatentes armados da guerrilha”
A desmobilização da Falintil – uma força que podia ter sido mobilizada para projectos de reconstrução no país – foi sintomática da desmobilização geral do movimento de libertação nacional e na crescente ligação aos governos estrangeiros – particularmente Austrália e Portugal – para ajudarem na reconstrução
 
“Em 1975, a Fretilin integrava a luta pela libertação nacional com a libertação da população através de programas de cooperação, erradicação da iliteracia e o desenvolvimento de uma cultura nacional. Na altura, a Fretilin tornou-se uma força política popular com uma clara visão sobre o futuro e sobre um Timor-Leste independente. Infelizmente, estas ideias populares que floresceram nos anos 70 são consideradas por muitas secções da Fretilin como ultrapassadas”, disse Nasution. “A democracia liberal promovida pelas NU transformou os partidos políticos em máquinas eleitorais... nas quais foi removida a participação popular.”
Alkatiri
Enquanto a elite política de Timor-Leste – incluindo muitos “camaradas” de Alkatiri na Fretilin – conseguiram posicionar-se de forma a beneficiarem com as suas relações com os doadores estrangeiros, Alkatiri tem resistido, para já, à pressão em aceitar empréstimos do Banco Mundial e do FMI.
O governo de Alkatiri criou um Fundo Petrolífero, com o objectivo de investir 90% da riqueza nacional obtida através do petróleo e gás em investimentos de longo prazo, deixando 10% para gastar em saúde, educação e programas agrícolas.
O governo de Alkatiri também planeia montar uma companhia de petróleo estatal, apoiada pela China, Malásia e Brasil, com o objectivo de conseguir uma parcela maior nas receitas do gás e do petróleo do Mar de Timor.
A indústria doméstica de arroz aumentou a produção de 37 000 para 65 000 toneladas entre 1998 e 2004, com ajudas para financiar silos públicos do cereal, indo contra as políticas advogadas pelo governo Australiano e pelo Banco Mundial.
Através de acordos bilaterais entre Timor-Leste e Cuba, 220 médicos e 30 técnicos de saúde cubanos, estão a trabalhar em 13 distritos; centenas de estudantes Timorenses estão a estudar Medicina em Cuba (só há 55 médicos Timoreneses); e formadores Cubanos estão a trabalhar com professores locais num programa de erradicação da iliteracia.
Estas modestas medidas foram atacadas por muita da elite de Timor-Leste. Em 2005, a oposição de Alkatiri ao ensino obrigatório de religião nas escolas, levantou protestos liderados pela igreja, que tiveram o apoio do embaixador dos EUA. Estes protestos exigiam a criminalização da homossexualidade e do aborto, a demissão de Alkatiri e a remoção de “comunistas” do governo.
Ao mesmo tempo, Alkatiri também foi bastante criticado por uma lei da difamação que restringe liberdades civis.
O escritor Clinton Fernandes, no seu livro, “Reluctant Saviour: Australia, Indonesia and the Independence of East Timor”, mencionou em 2004 que a liderança de Timor-Leste “permanece relutante em entregar as rédeas ao seu povo, escolhendo em vez disso fazer negócios com os interesses corporativos Australianos e Portugueses, bem como com outras forças internacionais. [Timor-Leste] vê a sua independência política restringida pela sua economia dependente e neo-colonial.”
Actualmente, uma burguesia Timorense – representada não apenas por Horta e Xanana mas também por um número crescente de membros da Fretilin – está a consolidar a sua força, com base em fortes ligações com os governos Ocidentais e Australiano.
 
Se o Alkatiri sair de cena, será um significativo recuo para o povo de Timor Leste e irá consolidar a transformação da Fretilin de um movimento de libertação nacional num clube de beneficiários de doadores de fundos e da riqueza petrolífera do país.
Para que Timor-Leste seja genuinamente livre dos desígnios dos seus pretensos donos neo-coloniais, vai ser precisa uma mobilização do seu povo, apoiada pelo reavivar de um poderoso movimento de solidariedade na Austrália.
 
Artigo da autoria de Nick Everett, publicado pela revista “Green Left Weekly” a 28 de Junho, disponível em http://www.greenleft.org.au/back/2006/673/673p16.htm
 e traduzido por Alexandre Leite.
publicado por Alexandre Leite às 00:14

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Sexta-feira, 23 de Junho de 2006

Porque é que o fazemos

Deve haver milhares como nós, a “martelar” nos nossos “blogues” (raios, odeio esta palavra!). Em geral, parecemos estar unidos por um etos comum, nomeadamente a justiça e um profundo empenhamento em fazer algo que tenha um impacto positivo na forma como o mundo está. Identificamo-nos com diversos nomes, mas penso que “anti-capitalistas” cobrirá toda a gama.

Fora isso, no entanto, não vale a pena entrar em detalhes, mas parece que teremos mais coisas em que discordamos do que aquelas em que concordamos, especialmente quando começamos a analisar as causas e o que fazer acerca do comportamento vergonhoso dos nossos respectivos governos. Então o que queremos?

A história da luta contra o capitalismo, no último século, envolve muitas contradições. Mesmo os nossos sucessos são objecto de intensos desacordos sobre o que realmente conseguimos atingir.

Na multifacetada esquerda, temos por um lado aqueles que defendem a experiência do socialismo Soviético até ao fim e, por outro lado, aqueles que nem admitem que tenha sido uma experiência socialista, ou foi deformada ou desviada. Capitalismo de estado, socialismo burocrático, estatismo, autocracia Estalinista, ditadura do Partido, são algumas das descrições daquilo a que eu prefiro chamar “socialismo realmente existente” (da forma que era).

Como podemos explicar isto? Apesar de tudo, temos uma boa compreensão de como o capitalismo funciona, até ao detalhe. Literalmente, centenas de milhares de livros foram escritos sobre o assunto, no seguimento do tremendo trabalho de Marx, Engels e Lenine, que por sua vez construíram a sua compreensão sobre os que os tinham precedido. Ao todo, serão perto de 300 anos de análise!

Para além disso, temos a experiência combinada, de cerca de século, de países que tentaram construir alternativas ao capitalismo e apesar do que diz a propaganda, cada um deles desenvolveu formas muito diferentes de socialismo, determinados pelas condições específicas existentes nos respectivos países.

Mas o aspecto mais importante dessas experiências alternativas ao capitalismo é talvez o facto de nenhuma delas ter gozado de liberdade para se desenrolar sem uma virulenta oposição do capitalismo, chegando ao ponto de alguns serem invadidos. Tão virulenta era a oposição, que moldou e distorceu a próprio forma como os diversos socialismos se desenvolveram.

Por isso, penso que não é mentira dizer que a nossa experiência de socialismo foi distorcida logo desde o início. Isso levanta a questão (questão que foi colocada logo a seguir à Revolução Bolchevique de 1917) de saber se num mundo dominado pelo Capitalismo, é possível construir uma verdadeira sociedade socialista (o chamado dilema do “socialismo de um só país”)?

Não é apenas uma questão abstracta, é antes um dilema do género “o ovo ou a galinha”, pois se é verdade que num mundo dominado pelo Capitalismo, é impossível construir um “socialismo real”, a não ser que o Capitalismo (nas suas maiores expressões) seja derrubado (ou colapse), como conseguiremos construir uma alternativa se nem conseguimos dar o pontapé de saída?

Em parte, este dilema responde à questão de existirem tantas ideias conflituosas sobre o que é o socialismo “real”.

Depois há a questão do subdesenvolvimento, ele próprio um resultado directo do controlo Capitalista dos recursos necessários ao desenvolvimento nacional. Aqui há dois problemas fundamentais com que nos confrontamos. Por um lado, o capitalismo faz tudo o que está ao seu alcance para assegurar que as alternativas ao capitalismo fracassem, e falhando isso, monta campanhas de propaganda que duram décadas, para convencer as pessoas que não há alternativa viável ao Capitalismo. Por outro lado, enquanto os países subdesenvolvidos estiverem totalmente dependentes de uma economia global controlada pelo Capitalismo, enfrentam uma situação impossível. Para que o socialismo tenha sucesso, é necessário ter uma sociedade relativamente desenvolvida, não apenas economicamente mas também, aquilo que nós agora chamamos, uma sociedade civil desenvolvida. Mas como se consegue desenvolver um “socialismo real” se se tenta em condições que não estão sob o seu controlo?

Um exemplo perfeito é a Venezuela, que apesar de possuir valiosos recursos naturais, como o petróleo, é totalmente dependente das economias capitalistas avançadas e de um sistema de comércio global que não está sob o seu controlo. Enfrenta, por isso, diversos problemas relacionados:

1. Para poder utilizar a riqueza gerada pela venda do petróleo no desenvolvimento da sua economia doméstica, tem de o fazer em condições determinadas em grande medida pelos EUA, que obviamente não pretendem ver uma Venezuela livre e desenvolvida, porque seria um “mau exemplo” para o resto do mundo em desenvolvimento;

2. Enfrenta uma oposição “interna” da classe capitalista doméstica, que está na sua maior parte alinhada com o capital dos Estados Unidos.

3. Tem de se tentar lançar numa direcção independente sob as mais adversas condições domésticas, com grandes franjas da população a viver numa pobreza abjecta, ou seja, subdesenvolvimento. Compreensivelmente, esta grande massa da população, que elegeu um governo que representa globalmente os seus interesses, quer o que lhe é devido.

4. Por isso, temos o governo de Chavez no meio de fogo cruzado; por um lado tem de cumprir o que prometeu aos seus eleitores e por outro lado tem de o fazer sob condições que não controla, nomeadamente um sistema económico global controlado pelos EUA, que está a fazer tudo o que pode para assegurar que a “experiência” Chavez não tenha sucesso.

Como resolver este dilema? Esta pergunta é a que dá acesso ao grande prémio e já nos confronta há quase um século.

Nós, no mundo desenvolvido, temos a obrigação de defender a “revolução” Bolivariana, por muito imperfeita que seja, mas até que ponto? Podemos encontrar-nos a fazer a mesma figura daqueles que argumentam que o Chavez não foi “tão longe quanto devia” e chegando ao ponto de o acusar de ter “vendido” a “revolução”. Também há os que defendem incondicionalmente a “revolução” Bolivariana.

Podia ser argumentado que haverá um “estrada do meio” entre as duas posições, mas isso era simplificar de mais o problema. É preciso ter em conta que “nós” estamos numa posição de relativo conforto a julgar uma situação sobre a qual não temos controlo directo (alguns dirão, ainda bem!).

Por isso, em vez de tentar julgar o Chavez e a “revolução” Bolivariana, era preferível que nos focássemos naquilo que temos possibilidade de influenciar, nomeadamente as políticas dos nossos respectivos governos.

Para além disso, penso que podemos ser mais específicos sobre que caminho tomaremos, para além do “slogan” “Larguem a Venezuela”. Isto pode ser como um tiro no escuro mas baseia-se na nossa concepção do tipo de pré-condições que são necessárias para avançar em direcção a uma sociedade socialista.

Penso que já deve ser claro que vivemos num mundo interligado. O modo como vivemos no mundo desenvolvido, determina, em grande parte, como a população da Venezuela vive. Os nossos padrões de consumo, por exemplo, determinam a relação que a Venezuela tem connosco e como os Venezuelanos ganham a vida, quer seja produzindo petróleo ou mangas (e as mangas da Venezuela são bem saborosas!).

Assim, a campanha pelo “comércio justo”, por exemplo, é uma parte da solução, mas só por si não é a resposta, pois, no fundo, transportar mangas da Venezuela para o Reino Unido de avião, faz parte do problema da alteração climática global. Tal como o nosso escandaloso consumo de petróleo. No entanto, com a actual relação que temos com a Venezuela, se cortarmos o consumo de petróleo e mangas, isto tem um efeito directo na população Venezuelana.

Parece claro que a raiz do problema reside no facto de nós sermos ricos porque o povo Venezuelano é pobre. Para nós, o custo das mangas é apenas uma fracção do que custa aos Venezuelanos comprarem-nas. Para além disso, muito provavelmente, importa produtos que poderia produzir localmente, não fosse o caso de terem sido forçados a criar uma economia orientada para a exportação.

Pelos seus próprios meios, a economia Venezuelana consegue satisfazer as necessidades da sua população, por isso, se queremos contribuir positivamente para o futuro do povo da Venezuela, incumbe-nos alterar a nossa relação económica com a Venezuela. E o que dá para a Venezuela também se aplica a outros países com relações semelhantes com o mundo desenvolvido.

Parece-me claro que sem uma mudança radical na nossa própria economia, não é possível, à Venezuela, desenvolver uma alternativa ao capitalismo, que seja viável, importante e duradoura.

Os dois mundos estão portanto entrelaçados de uma forma complexa e de longo alcance. Isto explica porque é que os media e o estado têm tanto ódio ao que Chavez está a tentar fazer. Que outra razão faria com que os acontecimentos na Venezuela produzissem tanto veneno aqui no Reino Unido e nos Estados Unidos? O que é que a Venezuela nos pode fazer, aqui no Reino Unido, para além de ameaçar os lucros da Shell, BP e Exxon? Que ameaça é que a Venezuela representa para o RU e EUA?

Isto também explica a razão da invasão do Iraque e Afeganistão, tal como as ameaças ao Irão, e no fundo explica os 500 anos de história da relação entre o Ocidente e os países pobres.

Sendo assim, nos tempos mais próximos, a questão não será sobre um “plano” de desenvolvimento do socialismo de per si, mas sim a nossa relação com os pobres do planeta. No final, teremos de nos confrontar com a questão de uma alternativa ao capitalismo, mas a julgar pela resposta aos “Live 8” e etc, existe uma enorme quantidade de boas intenções. Mas como diz o ditado, “de boas intenções está o inferno cheio”.

Que o “Live 8”, ou o que quer que seja, evita as bicudas questões implícitas na nossa relação com os pobres do planeta, é sem dúvida pertinente. Até onde estarão dispostos a ir, aqueles que ofereceram dinheiro? Estarão preparados para apoiar a Venezuela se lhes for explicado que o dinheiro não é a resposta, mas sim reorganizar a nossa relação com as pessoas da Venezuela?

Mas nós também estamos atados na mesma relação global capitalista, embora na ponta dos que recebem grandes somas de dinheiro. No entanto, é claro que esta não é uma situação sustentável, como demonstram os acontecimentos dos últimos anos.

Haverá uma mudança do tipo negativo, por exemplo por uma catástrofe ambiental? Situação na qual será uma questão de sobrevivência básica. Ou será por um colapso do próprio Capitalismo? Neste caso, o resultado mais provável será uma barbárie da pior espécie, muito para além do Fascismo.

De qualquer modo, parece-me que como socialista, não tenho muito por onde escolher, a não ser continuar a expor a natureza do sistema em que vivemos e explorar situações.

Traduzido por Alexandre Leite, a partir de um texto de William Bowles publicado a 11 de Junho de 2006 em http://williambowles.info/ini/2006/0606/ini-0424.html

publicado por Alexandre Leite às 14:10

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Quinta-feira, 15 de Junho de 2006

Clima de Medo

Blair… recuou nos planos de tomar uma posição dura sobre o aquecimento global e o Tratado de Quioto, que Washington ainda não assinou… No final, Blair apenas disse: “Temos de agir sobre as alterações climáticas”, mas não entrou em pormenores.

Blair até disse uma piada sobre a interferência dos EUA, “Espero que não seja a Casa Branca a dizer que não concorda com isto. Eles actuam com muita rapidez, este rapazes” – Londres, (AFP), 28 de Maio de 2006.

Parece que finalmente a realidade da mudança climática global chega aos media? A BBC, por exemplo, está a inundar o público com dossiers aterrorizadores com títulos como “Caos Climático”, uma série, e persuadiram o venerável David Attenborough para a apresentação da série, em conjunto com o previsível alinhamento de “especialistas”, devidamente equipados com tabelas e previsões feitas por computador, do iminente desastre. Uma enxurrada de propaganda que procura atirar a culpa do aquecimento global para nós, a população.

Portanto, temos de fazer a “nossa” parte de, consumirmos menos, usar carros mais pequenos, viajar menos, reciclar, comprar produtos locais e por aí fora. Mas vão ao vosso mercado local (se tiverem um que não necessite que usem o carro para lá chegar) e tentem comprar produtos locais, e vejam o que conseguem trazer.

Uma palavra que não é mencionada na avalanche de glaciares a derreterem e na subida do nível do mar, é Capitalismo. Em vez disso, falam dos nossos “estilos de vida” que não são correctos, como se por um processo místico, os nossos “estilos de vida” existissem independentes do sistema económico em que vivemos.

Chama-se a isto, a Quadratura do Círculo, isto é, sem alterar um milímetro a um sistema económico que se baseia na contínua expansão da produção, chamada Crescimento, de alguma forma, através da “eficiência” e de novas tecnologias, podemos reduzir a produção de carbono a níveis que consigam parar a subida da temperatura da Terra.

O que nunca é mencionado, com os quinhentos anos de exploração capitalista e de um literal saque do planeta, dos seus recursos e pessoas, é que fomos exortados a produzir e consumir como se não existisse o dia de amanhã e agora, quando parece não haver amanhã, a culpa é atirada em primeiro lugar para nós.

E a isto segue-se a culpabilização dos “diabos” dos Chineses e Indianos que, cinquenta anos depois da Guerra Fria (e não tão fria), “viram a luz” e embarcaram na mesma louca rota que o Ocidente seguiu nos últimos quinhentos anos. Na realidade, a ameaça da guerra pendia sobre as suas cabeças se não se juntassem ao “clube”. Agora já o fizeram e as economias Ocidentais voltaram convenientemente as culpas para eles! É preciso ter lata!

Portanto, enquanto a Terra aquece, o Ocidente, em vez de lidar com a crise que nos confronta, prefere tornar o mundo mais seguro para o Capital, invadindo os países que possuem os recursos que tornam possível a continuação do Capitalismo. É a loucura total!

Mas procurem em vão, alguma referência a estas contradições nos chamados documentários, fabricados pela Central de Propaganda.

As contradições na mudança da produção do Ocidente, para fábricas com uma economia de mão de obra barata, nunca são mencionadas. Aí, ainda se consegue produzir uma maior quantidade de coisas inúteis, com menores custos (para os capitalistas). Também não é mencionado o facto da Guerra Fria ter sido, em grande medida, uma abertura das economias dos antigos estados socialistas e pós-coloniais, ao capitalismo.

Mas a realidade é que, sem uma fundamental mudança de rumo da produção interminável de “novos” produtos, aos quais o sistema capitalista está inextricavelmente ligado, o aquecimento global é, de facto, irreversível.

Mas procurem em vão, alguma referência ao sistema económico como causa. É um grande truque de magia. A ordem do dia é, tudo na mesma, por isso, é de admirar que o “governo” de Blair esteja agora a forçar a solução nuclear?

Um simples facto é que o capitalismo se baseia num contínuo crescimento e expansão da produção e de novos mercados, à medida que procura maximizar os lucros. Nada, excepto uma revolução, alterará esta realidade fundamental.

Falar em reduzir o consumo, quando toda a lógica do capitalismo é baseada na contínua criação da procura de “novos” produtos, é pura fantasia. Claro, a BBC não vai sugerir que a causa fundamental do aquecimento global seja o sistema económico capitalista, isso era ir longe demais.

E ainda relacionado com isto, num comentário a um dos meus textos de Portugal, MC disse[1]

Não podemos pensar que vamos mudar o mundo até que vocês, pessoas dos países ricos, reconheçam que parte da vossa riqueza veio da forte exploração e implacável empobrecimento dos nossos países, durante séculos.

Uma observação que eu corroboro totalmente e disse isso mesmo. Mas MC prossegue dizendo

Quanto ao consumo em grande escala e à sua uniformidade, não é propriamente uma coisa má, se pensarmos na igualdade. Toda esta conversa sobre a exclusividade no consumo – algo que os grandes meios de comunicação ligam automaticamente à liberdade de escolha – é uma ideia presunçosa e divisória, característica de uma sociedade de classes: no fundo, a exclusividade de um iate ou de um “verdadeiro” queijo Parmesan (ou de um Gucci, Versace ou marca parecida) tem o seu preço.

O consumo em massa é inteiramente um produto da produção capitalista e como tal, baseia-se na produção de mercadorias em massa, em oposição à produção de valores realmente úteis, isto enquanto (talvez) todos preferiríamos iates e carteiras Gucci, o que de facto acontece é que para muito poucos possuírem tais objectos, muitos têm de viver sem eles.

Por outras palavras, a produção da maior parte das mercadorias não é feita pela sua real necessidade mas simplesmente para obter um lucro. Para além disso, é evidente que no fim, as pessoas se sentem insatisfeitas com esse consumo ao apenas criar a necessidade de mais consumo, num ciclo consumista interminável.

MC diz depois

A principal questão é: quando é que o sistema vai mudar de forma a permitir aos mais pobres e explorados do planeta, acesso aos mais básicos bens produzidos em massa, melhorando os seus níveis de vida e promovendo um verdadeiro avanço na condição humana?

As necessidades podem ser satisfeitas sem uma tal produção em massa. Na realidade, as tecnologias que possuímos hoje permitem uma produção em pequena escala de produtos de alta qualidade. Alem disso, como fica amplamente demonstrado pela reinvenção/redescoberta da produção artesanal, as pessoas gostam de produtos feitos à mão. Satisfazem uma real necessidade ao colocarem as pessoas de novo em contacto entre elas, através do próprio objecto; o cunho pessoal e a singularidade do objecto são, por si só, satisfatórios.

Mas de forma a se conseguir atingir isto, será necessário reestruturar a globalidade da economia capitalista, não apenas abolir a propriedade privada de larga escala mas também alterar os nossos objectivos e a nossa relação com a Natureza, algo que não vai ser conseguido da noite para o dia.

Se alguma coisa resulta da evidência do impacto das mudanças climáticas, é o facto de a acompanhar a abolição do modo de produção capitalista, necessitamos de alterar a nossa relação com a Gaia, ao invés de subjugar a Natureza, algo que mesmo as economias socialistas não fizeram, na sua competição com o capitalismo, de forma a satisfazer fundamentalmente necessidades criadas artificialmente. Temos de restabelecer a nossa relação com a nossa casa, a Terra.

De facto, eu sugeria que as pessoas dos países desenvolvidos, em vez de apelarem com base numa visão socialista tradicional, com base na abolição da pobreza, o fizessem baseando-se nos valores de humanidade e na redescoberta do colectivo, ajustando-se melhor à situação.

Esta discussão também se relaciona com os países pobres do mundo, que apesar de materialmente empobrecidos, possuem algo que nós, no mundo desenvolvido já perdemos, nomeadamente um sentimento de pertença, de onde viemos. E isto não é mero sentimentalismo mas baseia-se na minha própria experiência.

Até agora, a esquerda que existe, falhou rotundamente ao não perceber isto, enredada como está, na sua relação histórica com o modo de produção capitalista. Por isso, também não vê que é produto das relações capitalistas, um processo que não é neutral, mas inteiramente determinado pelo modo de produção capitalista.

Fica óbvio que não se trata apenas de consumir menos mas de alterar inteiramente o que produzimos e consumimos. Isto significa transformar os objectivos e valores da sociedade, algo que requer que olhemos novamente para a forma como nos organizamos politicamente. Implica deitar fora a falsa noção que nos tem sido dada sobre o que é a democracia e como funciona. Não é tarefa fácil de cumprir, alimentados como temos sido numa dieta de alegada representação, em vez de uma participação directa no processo de organização social e de tomada de decisões.

Entretanto, temos necessidades imediatas e urgentes. Em primeiro lugar, resistir e derrotar um sistema desesperado, que destrói mais do que cria, que gasta milhares de milhões em armas de destruição em massa quando o mundo enfrenta uma crise de proporções literalmente globais. Fazer a ligação entre esta crise global e o capitalismo, é a nossa primeira ordem de trabalho.

Apesar de concordar na generalidade com as observações do MC, uma análise fundamentada na “culpa” daqueles de nós que tiveram a sorte suficiente para ter nascido no mundo desenvolvido, não é a resposta, pois não foca os assuntos com que nos confrontamos, mesmo que faça alguns sentirem-se melhor.

 

 

[1] – MC comentou um texto anterior na página inglesa. Os comentários ao tal texto escrito em Portugal podem ser vistos em http://www.haloscan.com/comments/liamini/ini_0417/#25663

 

 

 

 

Traduzido por Alexandre Leite, a partir de um texto de William Bowles publicado a 3 de Junho de 2006 em http://williambowles.info/ini/2006/0606/ini-0418.html  

publicado por Alexandre Leite às 10:25

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