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Segunda-feira, 20 de Novembro de 2006

Movimento Popular de Oaxaca com Seis Meses

Detenções, Desaparecimentos, Assassinatos e Violações dos Direitos Humanos são Inúmeras mas Não Conseguiram Parar a Luta

 

Por Nancy Davies
Comentário a partir de Oaxaca

17 de Novembro de 2006

Instalarem-se as mesas no acampamento de Santo Domingo agora ocupado pela APPO é uma clara indicação da gravidade do assunto dos direitos humanos em Oaxaca. A qualquer hora do dia ou da noite é possível encontrar as mesas guardadas por advogados dos direitos humanos ou por professores. Noutras alturas, voluntários ocupam-se das mesas onde são registados os nomes de desaparecidos pelas suas famílias, num livro. As listas são publicadas pela Liga Mexicana Em Defesa dos Direitos Humanos (LMEDDH).

De 29 de Outubro a 14 de Novembro, desapareceram trinta e uma pessoas. Das 104 pessoas detidas ilegalmente, 95 foram libertadas, 9 ainda estão em prisões estaduais. Os crimes de que são acusadas incluem obstrução da via pública, insurreição, associação criminosa, conspiração, roubo, rebelião e ameaças. Foram emitidos mandatos para vários professores e pessoas da APPO, que andam de noite de casa para casa para dormirem. A PFP [Polícia Federal Preventiva] entrou ilegalmente em casas para procurar e levar pessoas. Na Rádio Universidade, a agora famosa Doutora Berta, cuja voz é tida como a voz da sanidade, da calma e da razoabilidade no ar, não sai das instalações da universidade. Como outros, ela vive praticamente dentro dos seus muros protectores. A Rádio Universidade ainda emite, mas o seu sinal está a ser bloqueado pelo governo.

15 de Novembro foi o dia marcado para Ulises Ruiz Ortiz fazer a sua mensagem do “estado do Estado”, chamada “informe”. Supostamente iria ilustrar a governabilidade de Oaxaca, e como as coisas estão a ir bem. Devido ao nível de “governabilidade” existente, o governador entregou a sua declaração escrita ao seu Secretário de Governação para que ele o entregasse aos legisladores. Ao mesmo tempo, o governador pediu 123 mil milhões de pesos [perto de 8,7 mil milhões de euros] ao governo federal, para acabar com o movimento da assembleia popular em Oaxaca. Apesar de Ulisses Ruiz reclamar que o estado funciona normalmente, no entanto ele apela ao envio de mais tanques e armamento. O informe pede uma mão firme por parte de Felipe Calderón.

Desculpem lá, mas isto parece uma clara admissão de que o estado não está governável.

A APPO, no dia do informe, optou por demonstrar que Oaxaca é de facto ingovernável. Foram marcadas marchas a partir de três locais diferentes, para exigir a saída da PFP.

A marcha com perto de 10 000 professores de Valles Centrales e Sierra Norte, mais os apoiantes da APPO, teve de lidar com ataques da PFP a partir de “telhados amigos” ou de casas particulares, usando fisgas para disparar berlindes de vidro contra os manifestantes (esta táctica de provocação também foi usada a 2 de Novembro). A marcha, que tinha tido origem fora do centro, aproximava-se agora dum ponto a sul do zócalo [centro da cidade] onde um ou dois manifestantes, apesar dos apelos da APPO para não haver retaliação às provocações, provocaram a Polícia Federal Preventiva que guardava o zócalo. A PFP respondeu primeiramente a cânticos de “Oaxaca não é um quartel”, “PFP fora de Oaxaca” e outros slogans, com pedras e berlindes lançados com fisgas. Os manifestantes responderam com pedras e garrafas de água. Depois, a PFP lançou gás lacrimogéneo. O cruzamento onde ocorreram as confrontações fica perto de lojas e da escola primária Enrique C. Rebsámen, onde cerca de 400 estudantes estavam nas aulas. O gás espalhou-se para todos os lados, causando preocupação tanto aos lojistas como aos alunos. Os manifestantes passaram para outra rua.

Ao mesmo tempo, ocorreram outras duas manifestações na cidade de Oaxaca e uma outra em Istmo of Tehuantepec. Várias estradas estiveram bloqueadas.

Nesse mesmo dia, dois jovens fotógrafos foram raptados no zócalo. Foram levados num veículo com matrícula, anotada pela assistência. Uma mulher que andava às compras viu a PFP a agarrar nas câmaras, mandar os dois fotógrafos ao chão e pontapeá-los. Os homens, que tinham estado a tirar fotografias aos agentes da PFP, foram em primeiro lugar interpelados por um oficial que os mandou parar. Depois, a polícia levou a suas mochilas. A mulher que assistiu a tudo isto acercou-se dos polícias e disse-lhes que aqueles homens estavam nos seus direitos, que eram cidadãos oaxaquenhos, e que não estava certo o que a polícia estava a fazer. Um grupo de polícias rodeou a mulher numa tentativa de a intimidar. Depois rodearam os dois homens e empurraram-nos brutalmente para dentro de um carro da polícia e arrancaram.

A PFP tirou depois muitas fotografias a essa mulher e segui-a no caminho que ela fez em direcção à barricada de Cinco Señores para contar o rapto que tinha acontecido. A mulher foi posta em contacto telefónico com os observadores dos direitos humanos, com os quais falou longamente, descrevendo a situação, os homens raptados, o carro (com os números da matrícula) que os levou. Depois da chamada telefónica ela continuou a exprimir a sua raiva e desgosto relativamente à polícia, em termos que indicavam que a dona de causa na sua ida às compras se tinha radicalizado abruptamente.

Em dois dias, os advogados dos direitos humanos obtiveram a libertação destes dois fotógrafos, que claramente tinham sido presos sem base legal. Os fotógrafos estrangeiros são extremamente cautelosos, e relataram terem sido perseguidos. Esta “guerra suja” está a crescer em Oaxaca, com paramilitares, desinformação na imprensa, intimidação e repressão nas várias formas de discurso político.

Observadores estrangeiros parecem estar em todo o lado – não apenas amadores mas pessoas com renome (aqui são desconhecidos) incluindo um médico americano, um realizador, um foto-jornalista alemão, e equipas de repórteres. Hoje, uma equipa foi entrevistar um homem que foi preso e sujeito a 8 dias de provação onde foi torturado pela polícia; uma equipa foi debater os desaparecimentos e o caso de 24 corpos presentes no anfiteatro da Cruz Vermelha.

As únicas pessoas autorizadas a entrar na morgue para ver os corpos são os da LMEDH e da Rede Oaxaquenha de Direitos Humanos. São eles que compilam as listas de desaparecidos e os testemunhos relacionados. São eles que trabalham directamente com o Comité de Membros da Família e Amigos de Desaparecidos, Detidos e Prisioneiros Políticos. Para além disso, têm uma longa relação (embora difícil) com a Cruz Vermelha, que lhes permite o acesso à morgue. O Comité formado há apenas algumas semanas, tendo um papel importante, não é o único grupo que lida com a questão das pessoas desaparecidas. Muitas pessoas que apoiam o Comité (por exemplo, os assistentes das mesas dos direitos humanos em Santo Domingo) são voluntárias.

A História que Não Acontecer

Na manhã de domingo, 2 de Novembro, dois fotógrafos curiosos a que apelidarei de L e H, estiveram na mesa dos Direitos Humanos na zona de Santo Domingo, onde os apoiantes da APPO estão actualmente acampados. Aí eram exibidos vídeos mostrando vários ataques governamentais e a resposta da população, combatendo as armas de grande calibre da polícia com pedras, fisgas, paus e cocktails Molotov de fabrico caseiro. Nos últimos vinte dias, uma calamidade de direitos humanos atingiu o movimento. Sob a capa da “manutenção da paz”, a PFP e/ou operacionais do PRI, do governador Ulises Ruiz, mataram, raptaram e fizeram desaparecer cento e trinta pessoas. Houve duas grandes batalhas. Uma foi a 29 de Outubro, a tentativa de retirar a as barricadas da APPO em frente aos edifícios governamentais. Vinte e dois foram presos, com dezasseis outros nos dois dias seguintes. Dúzias de pessoas foram feridas. A tentativa falhada da PFP de invadir a estação de rádio da Universidade Autónoma Benito Juarez de Oaxaca (UABJO) numa batalha de sete horas, teve lugar a 2 de Novembro. Nesta altura foram metidas pessoas em helicópteros e presumivelmente levadas para prisões. Perto de uma dúzia simplesmente desapareceram.

Entrevistas posteriores com prisioneiros libertados indicam que as pessoas eram colocadas à porta do helicóptero e ameaçadas de serem atiradas borda fora. Na prisão eram torturados, quer física quer psicologicamente.

Quando L e H se aproximaram de um trabalhador dos direitos humanos, C, para obter informação, foi-lhes dito que tinham sido descobertos corpos – num pequeno anfiteatro nos terrenos da Cruz Vermelha. Um relato dizia que os cadáveres estavam na morgue do hospital público há um número desconhecido de dias. Depois, o hospital resolveu que não os podia guardar durante mais tempo, e mudou-os para o edifício da Cruz Vermelha, localizado na Rua Bustamante, no centro da cidade de Oaxaca.

L e H pegaram nas suas máquinas e dirigiram-se para lá.

Quando chegaram ao edifício da Cruz Vermelha descobriram uma janela – alta demais para espreitar, mas H conseguiu colocar a sua câmara acima da sua cabeça e espreitou pelo visor. E que visão. Ali estavam os corpos, empilhados uns em cima dos outros em prateleiras. Os corpos estavam todos nus. Não foi possível contar precisamente quantos eram a partir do ponto em que espreitavam, mas aparentemente pelo menos um era de mulher, e havia perto de vinte e quatro no total.

Enquanto L e H captavam imagens, apareceu uma pessoa saída do edifício e pediu-lhes que saíssem imediatamente, o que fizeram, levando consigo provas preciosas. As fotos foram transferidas para um disco duro e gravados vários CDs, para segurança.

Nesse mesmo dia, já de noite, duas mulheres foram a Santo Domingo para informar os observadores dos direitos humanos da existência dos vídeos. Foi necessário agir rapidamente, porque não havia maneira de saber quanto tempo é que a Cruz Vermelha iria manter os corpos com o clima de Oaxaca. Mais importante, fotografias das caras dos falecidos, impressões digitais, e provas da forma como morreram, eram essenciais serem recolhidas, tanto para as famílias que pudessem reclamar os corpos, como para as provas da morte.

Quando as duas mulheres falaram com os funcionários dos direitos humanos foram encaminhadas para um advogado dos direitos humanos, que mostrou o seu espanto pela importância da prova filmada. A esposa do advogado, que também é professora, simplesmente sentou-se, com lágrimas nos olhos. Ela sabia que as famílias dos desaparecidos têm estado angustiadas nas últimas duas semanas, sem saber se os seus membros familiares desaparecidos estariam mortos ou presos.

Dois advogados dos direitos humanos, com uma carta na mão, dirigiram-se às instalações da Cruz Vermelha, na segunda-feira de tarde, acompanhados de uma equipa de sete pessoas. Eles exigiram entrar para observar os corpos, e disseram-lhes que podiam mas que a pessoa responsável pela permissão não estava presente. Eles esperaram quase quatro horas. Eventualmente as regras mudaram, e foi-lhes dito que apenas quatro pessoas podiam entrar. Os quatro seleccionados foram um médico dos EUA, um fotógrafo da Alemanha, um médico oaxaquenho a quem foi permitida a entrada como “ajudante”, sem se assumir a sua capacidade de médico, e um enfermeiro que também entrou como um “ajudante” anónimo.

Antes de entrarem no edifício foram feitas chamadas telefónicas para alertar amigos e parentes sobre o local onde estavam, e a pedir que viessem mais pessoas da APPO para as instalações da Cruz Vermelha, para os proteger quando saíssem. Para além disso, já tinham sido feitas várias cópias do CD onde se viam os corpos, e estavam em boas mãos. Por esta altura já era noite escura, e surpreendentemente para Oaxaca na época seca, chovia bem.

Tinha sido decidido que a primeira prioridade era identificar os corpos para ver se estavam entre os desaparecidos. Isso implicava tirar uma fotografia à cara, impressões digitais, fotos dos dentes, e registo de marcas identificativas tais como cicatrizes. Nesta altura a equipa já estava cansada.

Finalmente o director da Cruz Vermelha chegou para abrir as instalações, e com ele um outro trabalhador que deixou entrar todos os sete da equipa, depois da sua espera de quatro horas, enquanto o director estava noutro lugar.

Esta equipa, durante uma hora e meia de investigação, documentou tudo o que podia sobre os mortos. Mas eles concluíram que os corpos já tinham muito tempo para serem dos desaparecidos – provavelmente mortos desde Setembro, e sem sinais de violência. Independentemente disso, tiraram-se fotografias e completaram-se os procedimentos forenses.

Os Prisioneiros Políticos e os Desaparecidos

Esta investigação espontânea dos Direitos Humanos não trouxe nenhuns resultados para as famílias ansiosas dos desaparecidos. “No entanto, quem tiver um mínimo de consciência da história,” escreve o Comité dos Direitos Humanos, “não consegue ouvir o barulho de aviões espiões a qualquer hora do dia, ou passar no centro histórico desta cidade, ou nas instalações do Canal 9 ou o “Parque del Amor”, onde a polícia federal está estacionada, sem pensar em Mussolini, Hitler e Franco, e sentir a indignação que é provocada pela intenção de manter Ulises Ruiz no poder…usando para isso, todo o peso do aparelho de estado… Graças à resistência popular, 131 compañeros foram libertados depois de terem sido arbitrariamente detidos durante a ocupação da PFP. Apesar disso, até 11 de Novembro ainda estavam presos os seguintes:

  • Humberto Jiménez Ríos
  • Jaime Guerrero
  • Gerardo Martínez
  • Héctor Guzmán Acosta
  • Joaquín Benjamín López Castillo
  • Marcos García Martínez
  • Miguel Angel García
  • Valentín Pérez Hernández
  • Víctor Hugo Martínez Toledo

Também ainda desaparecidos:

  • Alejandro Merino García
  • Ángel Santos Callejas Rodríguez
  • Ángel Soto Gallegos
  • Armando o Arnaldo Rojas Galán
  • Camilo Domínguez de los Santos
  • Erick López Ortiz
  • Felipe Pérez Tomás
  • Félix Ricardo Méndez Venegas
  • Fernando Ruiz Santos
  • Isaías Pérez Mireles
  • Jesús Martínez Hernández
  • Máximo Reyes Pérez
  • Pedro “N”
  • Teodoro Tiño Verado
  • Ubaldo García Guzmán
  • Yeni Jarquín Aguilar
  • Diego Magdiel Rodríguez Hernández

12 outros foram levados da barricada no bairro de Felipe Carrillo Puerto na Avenida Ferrocarril.

Com a indignação de quem vê os seus céus, parques e praças convertidas em visíveis sinais de repressão, assinamos (membros do comité).”

Aqueles esforçados, que conseguiram apenas vinte e quatro corpos por identificar, continuam a localizar as famílias daqueles mortos. O Comité dos Direitos Humanos também continua a tentar localizar os desaparecidos. O governador continua no poder.

 

 

Texto da autoria de Nancy Davies, publicado a 17 de Novembro de 2006 em http://narconews.com/Issue43/article2353.html . Traduzido por Alexandre Leite
publicado por Alexandre Leite às 12:54

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