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Quinta-feira, 14 de Setembro de 2006

‘Haciendo posible lo imposible’

Análise ao livro: “Democracy and Revolution – Latin America and Socialism Today [Democracia e Revolução – América Latina e o Socialismo Actual]”, de D.L. Raby

 “Só um louco poderia pensar que a solução para os problemas do mundo está no capitalismo” – Hugo Chavez Frias

Gosto mesmo deste livro; em primeiro lugar, a sua linguagem despretensiosa torna-o acessível, ao contrário da usual diarreia que atormenta os escritos académicos, especialmente na “esquerda”, com toda a sua conversa do paradigmático para aqui e da dialéctica para ali.

Mas mais ainda, este é um livro importante porque se atreve a ir onde poucos na “esquerda” se aventuram, hoje em dia; o leque de possibilidades para o Socialismo. Mais ainda, baseia-se em análises bastante credíveis de duas revoluções bem sucedidas, Cuba e Venezuela, e de três que falharam, mas das quais se podem tirar bastantes lições sobre o falhanço, Chile, Nicarágua e Portugal.

“O entendimento universal de que a democracia é o único regime válido – aceite inclusive pela maior parte dos partidos ex-comunistas – esconde a questão de saber o que realmente significa a democracia, e se o liberalismo Ocidental é a única forma válida de democracia e também se a mudança revolucionária é possível por meios democráticos. Estas são também questões centrais que terão de ser colocadas, na procura de uma alternativa política” (pág. 5).

Mas mesmo aqueles casos que esqueceram os assuntos centrais da exploração, têm uma coisa em comum, o papel assumido pelas raízes democráticas e acima de tudo, pela participação directa no processo de tomada de decisões, ultrapassando quase todos os partidos políticos tradicionais de esquerda.

Mas antes de chegar à apresentação propriamente dita da opinião de Raby, vale a pena examinar o que ele tem a dizer sobre o falhanço da esquerda em entender as lições do passado, e ao fazer isso, revela porque falharam os vários socialismos do séc. XX.

“[Apesar de] onde os partidos comunistas ainda terem uma força residual e aderirem a uma linha tradicional anti-sistema… a quase total ausência de renovação teórica mostra que não conseguiram enfrentar as lições do colapso da União Soviética e não têm nada de inovador a oferecer. Com algumas excepções, isto também se aplica à maioria das derivações do comunismo – as muitas variedades de trotskistas e marxistas-leninistas – que ainda são devotos de um partido com centralismo democrático, do monopólio ideológico da dialéctica e do materialismo histórico e de um modelo centralizado de estado socialista” (pág. 3).

Então o que faz de Cuba e da Venezuela um caso diferente? A resposta está nas suas histórias, pois os países da América Latina têm, não apenas

“…uma maior experiência de governo colonial do que qualquer outro, o ‘pátio das traseiras’ do imperialismo dos EUA, têm um maior “caldo” cultural e étnico do que a América do Norte, e também têm uma história de intensa luta popular revolucionária que é menos contaminada por distorções políticas e ideológicas do que em qualquer outro continente… Só na América Latina parece florescer o impulso revolucionário, por isso, para além de Cuba e da Venezuela podemos encontrar os governos progressistas de Lula no Brasil, Kirchner na Argentina, a Frente Amplio no Uraguai e poderosos movimentos populares como os Pachakutic no Ecuador, Evo Morales e o MAS na Bolívia, as FARC e o ELN bem como resistência popular pacífica na Colômbia, o FLMN em El Salvador e no Mexico, os Zapatistas …’ (pág. 8)

Apesar de ser ainda muito cedo para celebrar a queda do imperialismo, Raby assinala o facto de que

“[os] movimentos progressistas e populares, na América Latina, continuam a mostrar vitalidade e criatividade sem paralelo, no actual mundo cínico, unipolar e terrorista.” (pág. 9)

Talvez possa ser argumentado que os acontecimentos na Venezuela e em Cuba não têm relação nenhuma connosco, aqui no chamado mundo desenvolvido, mas Raby argumenta, e eu penso que com razão, que de facto, o ponto central que assombrou as tentativas de construir o Socialismo foi o ponto da democracia (ou antes, a falta dela). Não a versão capitalista, apresso-me a acrescentar, mas a real democracia participativa, que constrói o edifício a partir de baixo.

Este ponto central da argumentação de Raby, pode ser melhor exemplificado com a seguinte citação

“Está intimamente ligado ao conceito de soberania popular, de que a soberania realmente reside nas pessoas como um todo e não em classes dominantes ou nalgum grupo hereditário ou numa instituição privilegiada. As pessoas, acima de tudo, são elas próprias actores políticos pela mobilização colectiva, não apenas pela recepção passiva das mensagens dos media ou pelo voto individualizado” (pág. 11)

Raby também assinala que na América Latina, revolução e democracia significam algo de diferente daquilo que significam na Europa e América do Norte, onde a palavra revolução está associada à “violência irracional e sectarismo dogmático” (pág. 12) e democracia é votar a cada cinco anos e pouco mais.

Na América Latina, “democracia” é

“popularmente associada a direitos colectivos e poder popular, e não apenas a instituições representativas e pluralismo liberal. O conceito também é indissolúvel dos direitos e culturas de grupos étnicos e sociais oprimidos, com fortalecimento dos indígenas, negros e mestiços” (pág. 12)

Para colocar isto num contexto, Raby usa o exemplo da Nicarágua e da Revolução Sandinista, que no final foi derrotada por uma combinação de factores, mas que foi importante porque

“… a Esquerda organizada foi totalmente irrelevante ao processo [de revolução], e apenas deu o seu apoio (no melhor dos casos, pois vários partidos de esquerda se juntaram à oposição reaccionária) quando a vitória já estava na mão. Mais uma vez, as pessoas reconheceram a liderança revolucionária muito antes dos políticos ou dos intelectuais. E novamente, a vitória foi conseguida por um movimento amplo, democrático e nacional, ideologicamente flexível mas unido na acção, com um líder individual carismático com um notável dom de oratória e capacidade de acção decisiva” (pág. 17)

Raby volta ao tema da importância de um líder carismático como absolutamente indispensável, ao aflorar a capacidade de Fidel e Hugo Chavez de se ligarem e, ainda mais importante, de ouvirem as pessoas, num diálogo contínuo.

Os discursos de horas, de Fidel, e o programa televisivo semanal de Chavez, “Alo Presidente”, longe de serem exortações de um superior, são efectuados numa linguagem de pessoa comum e são, na verdade, aquilo que se poderia descrever como “pergunta e resposta”, com a pergunta a vir das pessoas.

E aqui, Raby invalida a ideia comummente aceite de que tais líderes são “populistas”, o que está normalmente associado à noção de demagogia e à reacção, e ao fazer isso, redefine o significado da palavra (ele usa o termo “neo-populista”).

O outro mito que Raby efectivamente destrói é o do papel dos militares na conquista da mudança revolucionária, argumentando que

“Existe uma diferente tradição militar na América Latina, uma tradição de oficiais nacionalistas, democráticos e anti-imperialistas como Omar Torrijos no Panamá, Velasco Alvarado no Peru ou Francisco Caamãno Deno na República Dominicana. Na realidade, é uma tradição com profundas raízes, recuando ao tempo da República Socialista do Coronel Marmaduke Grove no Chile (1931), dos “tenentes” do Brasil nos anos 1920 e indo mesmo até aos libertadores do início do séc. XIX.” (pág.17)

E Raby dedica mesmo uma secção completa à revolução falhada de 1974 em Portugal, a chamada “Revolução dos Cravos”, levada a cabo pelo progressista MFA, realmente revolucionário, o Movimento das Forças Armadas. Este movimento advogava “uma estratégia económica anti-monopolista … e uma política social de defesa dos interesses da classe trabalhadora.” (pág. 214)

Raby também desafia o conceito de políticos profissionais, e vai ainda mais longe desafiando a própria ideia de um partido político hegemónico “a liderar as massas”. Não que os partidos políticos sejam irrelevantes, mas as experiências extensamente documentados no livro “Democracy and Revolution” indicam a razão de revoluções em Cuba e Venezuela terem tido sucesso enquanto outras falharam.

Os partidos políticos tornam-se perigosos quando deixam de ouvir e de responder às pessoas; quando acham que têm as repostas todas e caem no dogmatismo e na postura ideológica mono-dimensional, uma situação com a qual tenho a certeza que muitos de vós estão familiarizados.

Raby deixa claro que em todas estas situações, não foram os partidos Comunistas e Socialistas tradicionais que abriram o caminho (embora alguns tenham saltado para o comboio já em andamento) e, de facto, alguns opuseram-se mesmo às acções revolucionárias dos movimentos de base ampla.

Raby resume as experiências revolucionárias em Cuba, Nicarágua, Venezuela e Portugal, da forma que se segue:

“…tudo aponta na direcção de um movimento amplo, popular e democrático, com um líder forte, carismático, fora dos partidos, ideologicamente flexível e inspirado por uma cultura e tradições nacionais, bem como diferentes correntes de pensamento progressista internacional, como os componentes essenciais para o sucesso de uma revolução.” (pág. 19)

Relevantes para nós, no chamado mundo desenvolvido, são as observações de Raby sobre as nossas “democracias liberais” que ele vê, de forma correcta, a degenerarem e a conterem muitas das marcas próprias das anteriores ditaduras militares da América Latina!

“O crescimento do poder executivo, a castração do parlamento, a destruição da democracia no seio dos partidos e das liberdades civis, contribuíram poderosamente para a decepção dos eleitores nos mesmos países que gostam de se apresentar como modelos democráticos para o mundo, mas já nem se regem pelos seus próprios princípios liberais.” (pág. 28)

Há uma lição a reter aqui por nós, e uma que não está esquecida pelas pessoas dos países desenvolvidos que expressam uma vontade de serem reconhecidos, de pertencerem, de participarem, mesmo que esteja esquecida pela chamada Esquerda, excepto em oportunismos como o Respect Party [do Reino Unido] fazendo a corte ao voto muçulmano mas ignorando praticamente todos os outros.

E é aqui que as experiências de Cuba e da Venezuela são usadas com grande eficácia, para demonstrar como poderia ser parecido um “Socialismo do séc.XXI”.

Mas não me interpretem mal, Raby também não se mostra iludido sobre o pape do poder e a importância de um estado central forte

“Uma coisa é reconhecer que o poder do estado revolucionário perdeu variadas vezes as suas bases de democracia popular, e outra coisa é negar a importância de um estado poderoso e a possibilidade de construir uma estrutura de poder não capitalista, baseada na justiça social.” (pág. 57)

Sobre este assunto, Raby cita Atilio Boron de forma sucinta

“… o estado é precisamente onde as correlações de forças se condensam. Não é o único local, mas é de longe o mais importante. É o único a partir do qual, por exemplo, os vencedores podem transformar os seus interesses em leis e criar uma moldura normativa e institucional que garanta a estabilidade das suas conquistas.” – Atilio Boron (2005), em ‘Forum on John Holloway’, Capital and Class 85, Spring.

Raby continua

“É por isso que, apesar do facto do estado Soviético ter cessado há muito a expressão do poder popular, de forma significativa, os cuidados de saúde e a educação continuaram livres e universais, e o desemprego era praticamente nulo até ao colapso da URSS … Boron sustenta que foi a original conquista revolucionária do poder, 70 anos antes, que institucionalizou direitos fundamentais para as pessoas comuns, direitos que sobreviveram ao fim desse modelo revolucionário particular.” (pág. 58)

Marx e o Marxismo também não são abandonados por Raby. Em vez disso, ele volta a eles, citando Marx e Engels sobre a Comuna de Paris de 1871

“A classe trabalhadora não esperava milagres da Comuna. Não têm utopias pré-estabelecidas para introduzir par decret du people. Eles sabem que para conseguirem a sua própria emancipação, e conjuntamente com ela, essa superior forma para a qual a actual sociedade está irresistivelmente a inclinar-se, através dos seus agentes económicos, eles terão de passar por grandes lutas, por uma série de processos históricos, transformando as circunstâncias e os homens.” – Marx e Engels, 1968, 294-5.

Mais importante, Raby não tem ilusões sobre as actuais circunstâncias, pois ele diz que

“A lógica de tal processo revolucionário [como na Venezuela e Nicarágua] e de regimes populares que os precederam, irá apontar necessariamente numa direcção Socialista, apesar de nunca serem capazes de estabelecer um sistema Socialista estável pois isso seria uma contradição (agora mais do que nunca, num mundo globalizado). Em vez disso, estarão numa tensão permanente com o imperialismo e a sua sobrevivência depende da manutenção da mobilização popular e da participação democrática a todos os níveis.” (pág. 65)

Raby chama a isto

“estado revolucionário de poder popular, que pode ser o que o socialismo, como uma fase de transição, realmente é: não pode funcionar com um modo de produção auto-sustentado e distinto, que era a ilusão Estalinista, mas através da sua força democrática popular e militar, pode funcionar num lógica não capitalista ou anti-capitalista… Como estado revolucionário, pode negociar com o capital transnacional numa posição de relativa força, pode criar e proteger uma sociedade baseando-se, em larga medida, na justiça social, na democracia participativa e na soberania económica, mas não pode romper completamente com o sistema capitalista global até ao momento (ainda remoto) em que a revolução e o poder popular/Socialismo esteja espalhado por grande parte do mundo.” (pág. 65)

E é precisamente isso que quer a Venezuela quer Cuba (até agora) conseguiram fazer. No fundo, façam a pergunta de por que razão, apesar de nos dizerem que chegamos ao “fim da história” (isto é, da revolução), Cuba sobrevive e prospera, e o mais original e excitante acontecimento, a Revolução Bolivariana, está a acontecer neste momento?

O espaço e o tempo impossibilitam-me a exploração deste livro de uma forma mais profunda. Há muitos outros aspectos que gostara imenso de focar, sobre assuntos que eu penso serem de relevância directa para nós. Mas se este artigo vos espicaçar a atenção, comprem-no por favor, ou peçam à vossa biblioteca local (se ainda tiverem uma) para o adquirir. Eu acredito que este é um livro importante e oportuno que rompe muitos dos mitos sobre as possibilidades de uma transformação socialista e não apenas na América Latina.

 ‘Democracy and Revolution – Latin America and Socialism Today’, D.L. Raby. Pluto Books, 2006. Pode comprar em amazon.co.uk ou amazon.com.

 

Artigo publicado por William Bowles a 8/9/2006 em http://williambowles.info/ini/2006/0906/ini-0448.html e traduzido por Alexandre Leite.

publicado por Alexandre Leite às 20:38

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Sexta-feira, 23 de Junho de 2006

Porque é que o fazemos

Deve haver milhares como nós, a “martelar” nos nossos “blogues” (raios, odeio esta palavra!). Em geral, parecemos estar unidos por um etos comum, nomeadamente a justiça e um profundo empenhamento em fazer algo que tenha um impacto positivo na forma como o mundo está. Identificamo-nos com diversos nomes, mas penso que “anti-capitalistas” cobrirá toda a gama.

Fora isso, no entanto, não vale a pena entrar em detalhes, mas parece que teremos mais coisas em que discordamos do que aquelas em que concordamos, especialmente quando começamos a analisar as causas e o que fazer acerca do comportamento vergonhoso dos nossos respectivos governos. Então o que queremos?

A história da luta contra o capitalismo, no último século, envolve muitas contradições. Mesmo os nossos sucessos são objecto de intensos desacordos sobre o que realmente conseguimos atingir.

Na multifacetada esquerda, temos por um lado aqueles que defendem a experiência do socialismo Soviético até ao fim e, por outro lado, aqueles que nem admitem que tenha sido uma experiência socialista, ou foi deformada ou desviada. Capitalismo de estado, socialismo burocrático, estatismo, autocracia Estalinista, ditadura do Partido, são algumas das descrições daquilo a que eu prefiro chamar “socialismo realmente existente” (da forma que era).

Como podemos explicar isto? Apesar de tudo, temos uma boa compreensão de como o capitalismo funciona, até ao detalhe. Literalmente, centenas de milhares de livros foram escritos sobre o assunto, no seguimento do tremendo trabalho de Marx, Engels e Lenine, que por sua vez construíram a sua compreensão sobre os que os tinham precedido. Ao todo, serão perto de 300 anos de análise!

Para além disso, temos a experiência combinada, de cerca de século, de países que tentaram construir alternativas ao capitalismo e apesar do que diz a propaganda, cada um deles desenvolveu formas muito diferentes de socialismo, determinados pelas condições específicas existentes nos respectivos países.

Mas o aspecto mais importante dessas experiências alternativas ao capitalismo é talvez o facto de nenhuma delas ter gozado de liberdade para se desenrolar sem uma virulenta oposição do capitalismo, chegando ao ponto de alguns serem invadidos. Tão virulenta era a oposição, que moldou e distorceu a próprio forma como os diversos socialismos se desenvolveram.

Por isso, penso que não é mentira dizer que a nossa experiência de socialismo foi distorcida logo desde o início. Isso levanta a questão (questão que foi colocada logo a seguir à Revolução Bolchevique de 1917) de saber se num mundo dominado pelo Capitalismo, é possível construir uma verdadeira sociedade socialista (o chamado dilema do “socialismo de um só país”)?

Não é apenas uma questão abstracta, é antes um dilema do género “o ovo ou a galinha”, pois se é verdade que num mundo dominado pelo Capitalismo, é impossível construir um “socialismo real”, a não ser que o Capitalismo (nas suas maiores expressões) seja derrubado (ou colapse), como conseguiremos construir uma alternativa se nem conseguimos dar o pontapé de saída?

Em parte, este dilema responde à questão de existirem tantas ideias conflituosas sobre o que é o socialismo “real”.

Depois há a questão do subdesenvolvimento, ele próprio um resultado directo do controlo Capitalista dos recursos necessários ao desenvolvimento nacional. Aqui há dois problemas fundamentais com que nos confrontamos. Por um lado, o capitalismo faz tudo o que está ao seu alcance para assegurar que as alternativas ao capitalismo fracassem, e falhando isso, monta campanhas de propaganda que duram décadas, para convencer as pessoas que não há alternativa viável ao Capitalismo. Por outro lado, enquanto os países subdesenvolvidos estiverem totalmente dependentes de uma economia global controlada pelo Capitalismo, enfrentam uma situação impossível. Para que o socialismo tenha sucesso, é necessário ter uma sociedade relativamente desenvolvida, não apenas economicamente mas também, aquilo que nós agora chamamos, uma sociedade civil desenvolvida. Mas como se consegue desenvolver um “socialismo real” se se tenta em condições que não estão sob o seu controlo?

Um exemplo perfeito é a Venezuela, que apesar de possuir valiosos recursos naturais, como o petróleo, é totalmente dependente das economias capitalistas avançadas e de um sistema de comércio global que não está sob o seu controlo. Enfrenta, por isso, diversos problemas relacionados:

1. Para poder utilizar a riqueza gerada pela venda do petróleo no desenvolvimento da sua economia doméstica, tem de o fazer em condições determinadas em grande medida pelos EUA, que obviamente não pretendem ver uma Venezuela livre e desenvolvida, porque seria um “mau exemplo” para o resto do mundo em desenvolvimento;

2. Enfrenta uma oposição “interna” da classe capitalista doméstica, que está na sua maior parte alinhada com o capital dos Estados Unidos.

3. Tem de se tentar lançar numa direcção independente sob as mais adversas condições domésticas, com grandes franjas da população a viver numa pobreza abjecta, ou seja, subdesenvolvimento. Compreensivelmente, esta grande massa da população, que elegeu um governo que representa globalmente os seus interesses, quer o que lhe é devido.

4. Por isso, temos o governo de Chavez no meio de fogo cruzado; por um lado tem de cumprir o que prometeu aos seus eleitores e por outro lado tem de o fazer sob condições que não controla, nomeadamente um sistema económico global controlado pelos EUA, que está a fazer tudo o que pode para assegurar que a “experiência” Chavez não tenha sucesso.

Como resolver este dilema? Esta pergunta é a que dá acesso ao grande prémio e já nos confronta há quase um século.

Nós, no mundo desenvolvido, temos a obrigação de defender a “revolução” Bolivariana, por muito imperfeita que seja, mas até que ponto? Podemos encontrar-nos a fazer a mesma figura daqueles que argumentam que o Chavez não foi “tão longe quanto devia” e chegando ao ponto de o acusar de ter “vendido” a “revolução”. Também há os que defendem incondicionalmente a “revolução” Bolivariana.

Podia ser argumentado que haverá um “estrada do meio” entre as duas posições, mas isso era simplificar de mais o problema. É preciso ter em conta que “nós” estamos numa posição de relativo conforto a julgar uma situação sobre a qual não temos controlo directo (alguns dirão, ainda bem!).

Por isso, em vez de tentar julgar o Chavez e a “revolução” Bolivariana, era preferível que nos focássemos naquilo que temos possibilidade de influenciar, nomeadamente as políticas dos nossos respectivos governos.

Para além disso, penso que podemos ser mais específicos sobre que caminho tomaremos, para além do “slogan” “Larguem a Venezuela”. Isto pode ser como um tiro no escuro mas baseia-se na nossa concepção do tipo de pré-condições que são necessárias para avançar em direcção a uma sociedade socialista.

Penso que já deve ser claro que vivemos num mundo interligado. O modo como vivemos no mundo desenvolvido, determina, em grande parte, como a população da Venezuela vive. Os nossos padrões de consumo, por exemplo, determinam a relação que a Venezuela tem connosco e como os Venezuelanos ganham a vida, quer seja produzindo petróleo ou mangas (e as mangas da Venezuela são bem saborosas!).

Assim, a campanha pelo “comércio justo”, por exemplo, é uma parte da solução, mas só por si não é a resposta, pois, no fundo, transportar mangas da Venezuela para o Reino Unido de avião, faz parte do problema da alteração climática global. Tal como o nosso escandaloso consumo de petróleo. No entanto, com a actual relação que temos com a Venezuela, se cortarmos o consumo de petróleo e mangas, isto tem um efeito directo na população Venezuelana.

Parece claro que a raiz do problema reside no facto de nós sermos ricos porque o povo Venezuelano é pobre. Para nós, o custo das mangas é apenas uma fracção do que custa aos Venezuelanos comprarem-nas. Para além disso, muito provavelmente, importa produtos que poderia produzir localmente, não fosse o caso de terem sido forçados a criar uma economia orientada para a exportação.

Pelos seus próprios meios, a economia Venezuelana consegue satisfazer as necessidades da sua população, por isso, se queremos contribuir positivamente para o futuro do povo da Venezuela, incumbe-nos alterar a nossa relação económica com a Venezuela. E o que dá para a Venezuela também se aplica a outros países com relações semelhantes com o mundo desenvolvido.

Parece-me claro que sem uma mudança radical na nossa própria economia, não é possível, à Venezuela, desenvolver uma alternativa ao capitalismo, que seja viável, importante e duradoura.

Os dois mundos estão portanto entrelaçados de uma forma complexa e de longo alcance. Isto explica porque é que os media e o estado têm tanto ódio ao que Chavez está a tentar fazer. Que outra razão faria com que os acontecimentos na Venezuela produzissem tanto veneno aqui no Reino Unido e nos Estados Unidos? O que é que a Venezuela nos pode fazer, aqui no Reino Unido, para além de ameaçar os lucros da Shell, BP e Exxon? Que ameaça é que a Venezuela representa para o RU e EUA?

Isto também explica a razão da invasão do Iraque e Afeganistão, tal como as ameaças ao Irão, e no fundo explica os 500 anos de história da relação entre o Ocidente e os países pobres.

Sendo assim, nos tempos mais próximos, a questão não será sobre um “plano” de desenvolvimento do socialismo de per si, mas sim a nossa relação com os pobres do planeta. No final, teremos de nos confrontar com a questão de uma alternativa ao capitalismo, mas a julgar pela resposta aos “Live 8” e etc, existe uma enorme quantidade de boas intenções. Mas como diz o ditado, “de boas intenções está o inferno cheio”.

Que o “Live 8”, ou o que quer que seja, evita as bicudas questões implícitas na nossa relação com os pobres do planeta, é sem dúvida pertinente. Até onde estarão dispostos a ir, aqueles que ofereceram dinheiro? Estarão preparados para apoiar a Venezuela se lhes for explicado que o dinheiro não é a resposta, mas sim reorganizar a nossa relação com as pessoas da Venezuela?

Mas nós também estamos atados na mesma relação global capitalista, embora na ponta dos que recebem grandes somas de dinheiro. No entanto, é claro que esta não é uma situação sustentável, como demonstram os acontecimentos dos últimos anos.

Haverá uma mudança do tipo negativo, por exemplo por uma catástrofe ambiental? Situação na qual será uma questão de sobrevivência básica. Ou será por um colapso do próprio Capitalismo? Neste caso, o resultado mais provável será uma barbárie da pior espécie, muito para além do Fascismo.

De qualquer modo, parece-me que como socialista, não tenho muito por onde escolher, a não ser continuar a expor a natureza do sistema em que vivemos e explorar situações.

Traduzido por Alexandre Leite, a partir de um texto de William Bowles publicado a 11 de Junho de 2006 em http://williambowles.info/ini/2006/0606/ini-0424.html

publicado por Alexandre Leite às 14:10

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Segunda-feira, 29 de Maio de 2006

Enterrar-se profundamente e depois mentir sobre isso

Enquanto caminhava pela bela cidade de Guimarães, reparei naquilo que me pareceu ser a sede local do Partido Comunista Português, encaixPCP Guimarãesada no coração da parte antiga da cidade, por onde passam todos os turistas.

Será que enquanto vão dando uso às suas máquinas fotográficas digitais, este símbolo lhes diz alguma coisa? Será mesmo que esta imagem, de uma época aparentemente distante, tem lugar nos seus álbuns fotográficos? Desconfio que não. Muitos nem saberão aquilo que representa ou que em 25 de Abril de 1974 a “Revolução dos Cravos” varreu a odiada ditadura salazarista, um acontecimento que iniciou a sua marcha a milhares de quilómetros, nas colónias portuguesas de Angola e Moçambique com os movimentos de libertação a combaterem os militares Portugueses.

Guimarães já foi um centro da indústria têxtil Portuguesa mas, como muitas outras áreas industriais da Europa, viu a produção ser deslocada para fábricas na Ásia ou na América Latina. Assim, com o generoso dinheiro da UE, o local foi transformado em mais um sítio do “património”. O bairro onde encontrei este símbolo de um presumido tempo passado, cheio com os seus habitantes, está repleto de turistas que frequentam as muitas lojas caras de moda que se podem encontrar nas ruas apertadas, vielas e atraentes praças.

Por razões óbvias, que não me parece necessário estar agora a explicar, o “poder instalado” considera que o socialismo está morto, a não ser para locais como a Venezuela. Por isso temos de nos perguntar, se realmente morreu, porque é que a imprensa capitalista tem feito um trabalho tão incisivo e mal-dizente da Venezuela de Chavez? Será que não está morto mas apenas a dormir?

Se o socialismo morreu, porquê o medo e o desdém? O que é que está a por o cabelo dos capitalistas em pé? Pois, apesar da retórica de Chavez, a Venezuela está muito distante de ser um estado socialista, qualquer que seja o seu “tipo” de socialismo. A Revolução Bolivariana ainda tem um grande percurso a fazer e o caminho é tortuoso e com muitos e perigosos obstáculos.

A campanha de ódio e mal dizer contra Chavez, que está actualmente a ser levada a cabo pelos meios de comunicação Ocidental é, talvez de forma irónica, um regresso aos dias da Guerra Fria, com todos aqueles “clichés” sobre a ditadura e um Chavez “desmiolado”. Será que o projecto da Venezuela dá sinais de vida e até morde alguns? Se sim, quem é que anda a morder, exactamente? De certeza que não é a massa da população do Reino Unido e EUA.

Os paralelos com 1974/75 estão presentes em mim, mesmo que não o estejam nos turistas, pois a campanha centrada no Chavez revela que apesar de tudo o que aconteceu nas últimas décadas, para a maioria do planeta, as coisas ainda ficaram piores do que estavam.

E, tal como os acontecimentos na longínqua Angola e em Moçambique precipitaram uma revolução (ou algo do género) em Portugal, também os acontecimentos na longínqua Venezuela parecem estar a ter reflexos no Reino Unido e EUA e pelas mesmas razões.

 

A “Revolução Bolivariana” é perigosa pelo exemplo que dá ao resto dos pobres do planeta e a campanha de propaganda mostra que o Ocidente tem medo que a sua própria população pudesse, se deixada à sua vontade, simpatizar com o povo e as aspirações da Venezuela.

OK, o pano de fundo parece ser, pelo menos à primeira vista, o petróleo de que o Ocidente tanto necessita, mas não há nada que os impeça de o comprar a um preço consideravelmente mais baixo que os actuais 70 dólares por barril (Chavez considera que 50 dólares é um preço razoável).

Não, o verdadeiro problema não é o petróleo mas sim o povo da Venezuela, Bolívia e Peru que estão a dizer “Basta! Nós queremos comandar o nosso próprio destino e não ser dirigidos por caciques de Washington DC e Londres”.

Tal como Salazar se enterrou em Angola e Moçambique e depois mentiu com quantos dentes tinha e no final acabou por pagar pelas suas mentiras, também os governantes dos EUA e Reino Unido estão mortos de medo que acontecimentos na Venezuela tenham repercussões semelhantes nos seus países. Daí a necessidade em mentir sobre Chavez, tal como Salazar mentiu sobre Amílcar Cabral aos portugueses.

A verdadeira luta não se alterou nada, por isso talvez seja mesmo ajustado o encontrar a Foice e o Martelo na antiga e pitoresca Guimarães.

Traduzido por Alexandre Leite, a partir de um texto de William Bowles publicado a 24 de Maio de 2006 em http://williambowles.info/ini/2006/0506/ini-0416.html

publicado por Alexandre Leite às 20:19

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